segunda-feira, 12 de abril de 2010

Livro : TROCA - Capítulo 1

Lentamente as imagens iam voltando ao foco de seus olhos negros, já podia ver quase que perfeitamente a cor da parede que se encontrava escorado, era de um tom verde berrante, o que o fez pensar se não seria melhor continuar com sua visão desfocada.
Junto com sua visão suas orelhas começaram a assimilar os sons e barulhos ao qual ele estava inserido, a musica que antes parecia estar a quiilômetros de distância foi aumentando lentamente em seus ouvidos, percebeu que se tratava de mais umas dessas músicas super estouradas que os DJs insistem em tocar quatro vezes por noite. Sentiu-se patético, não pela música e nem por ter aceitado sair mais uma vez quando ele sabia que ainda era o momento de ficar na sua.
Sentiu-se patético por estar naquela situação, escorado em uma parede absurdamente verde, desorientado, com gosto amargo na boca, não havia vomitado pelo menos, teria sido demais para uma noite só. Mas ainda não havia percebido que se sentiria ainda mais idiota dois minutos depois.
O consumo de álcool excessivo além de muitos outros efeitos não faz perceber que você possa estar acompanhado, e até aquele momento ele estava contente que ninguém havia presenciado essa cena degradante, ledo engano.
- Estava ficando preocupado já, você não acordava.
Ouviu alguém falando, no começo esperou que fosse sua mente pregando peças, ficou ali petrificado com a espinha congelada encarando a parede que ficava cada vez mais absurdamente verde. Alguns segundos depois se deu conta que havia realmente alguém do seu lado. Pensou de quantas maneiras o mundo poderia ser mais injusto que isso, porém desistiu de enumerar e seguir esse raciocínio,levantou-se, tentou ficar em uma posição mais respeitável, tropeçou duas vezes nessa tentativa, causando risadinhas abafadas no estranho que teimava em ficar ao seu lado nessa situação absurda.
- Pelo menos você não ronca sabia?
Após essa observação claramente irônica, o ser ao seu lado na parede verde soltou uma risada, e dessa vez não se conteve, riu abertamente. Era uma risada sincera, gostosa e envolvente.
- Meu nome é Miguel e o seu? Consegue se lembrar?
Conseguia sim, porém ultimamente não andava muito aberto a encontro com estranhos e a puxar conversas quando não era absolutamente necessário, iria agradecer o sujeito, pedir o quanto lhe devia em dinheiro, pagá-lo, procurar seus amigos, na verdade seu único amigo que havia dado carona e ir embora.
- Meu nome é Augusto.
Respondeu secamente ainda sem encarar o ilustre desconhecido, desejava mais que tudo se olhar em algum espelho antes de encarar seu bom samaritano.
– Olha, não sei quanto tempo estou aqui e o pior, não sei quanto tempo você está aqui do meu lado presenciando essa situação decadente, se tiver um jeito de agradece-lo me avise, mas acho que já tenho que ir embora, meus amigos devem estar esperando.
- Seus amigos notaram que você estava aqui?
Foi uma resposta dura, embora sem intenção de ser, na verdade era mais duro estar ouvindo isso de um completo desconhecido.
- Bem, isso é algo que resolvo com ele quando encontra-lo.
Se bem que seu vasto conhecimento acerca de seu amigo o fazia concluir que ele deveria ter encontrado ocupação melhor do que observa-lo escorado em uma parede.
O estranho de nome Miguel ajeitou as pernas e falou: - Por que você não senta novamente? Fazem cinco minutos que você acordou, espera mais um pouco pra ter certeza que está tudo bem mesmo.
Augusto não sabia se era algo no tom de voz do sujeito, que era um misto de conforto e autoridade, se era simplesmente a necessidade de sentar ou o que mais temia, uma demonstração de atenção que fazia semanas que não sentia, mas resolveu ceder e sentar.
- Não se preocupe, não irei roubar você.
Mais uma risada. Augusto dessa vez também soltou um riso contido, era realmente agradável a companhia de Miguel, mesmo numa situação degradante diante de uma parede insanamente verde em uma boate onde o DJ estava tocando pela terceira vez o mais novo sucesso hiper estourado, pelo que ele lembrava das partes da noite que estava consciente.
Nesse momento resolveu virar seu rosto em direção ao estranho do seu lado, encontrou um par de olhos azuis claros, a única observação que poderia fazer a respeito daqueles olhos é que emanavam felicidade, como se fossem os olhos de uma criança que acabara de ganhar o presente mais esperado no natal. Percebeu que estava demorando demais nessa encarada de olhos, sentiu seu rosto corar e desviou o olhar abruptamente para seus cabelos, que eram castanho claro e sua pele que era de um branco quase pálido.
Pensou consigo mesmo: “Ok, mais um bonitinho da vida.” Mas havia algo estranho nesse Miguel, de olhos azuis alegres que ajudava as pessoas em baladas GLS.
-Hum, nunca vi você aqui, Miguel né? Esse é seu nome não é mesmo?
Fingiu ter esquecido o nome, não queria demonstrar que havia se interessado no rapaz, ainda mais numa situação dessas.
- Miguel de Alcântara, não me viu aqui porque não sou daqui, vim essa semana para cá, cursar a Universidade de Jornalismo.
Respondeu finalizando com um sorriso que transparecia orgulho.
- Mas você está começando agora? Tem quantos anos? Como conseguiu entrar aqui sendo de menor?
Miguel sorriu, e respondeu que essa era sua segunda faculdade, já tinha 21 anos, havia iniciado um curso de Engenharia em Minas, seu estado natal, tinha feito por dois anos porém largou, reuniu tudo que tinha e resolveu arriscar naquela que pensava ser sua paixão, o jornalismo e veio a São Paulo após ter passado em octagésimo primeiro lugar no vestibular para uma das 80 vagas do curso de Jornalismo da USP.
- Um menino desistiu e a vaga abriu, deve ser um desses sinais do destino. Larguei tudo e vim para cá, é meu quinto dia aqui. E você o que faz?
Augusto pensou, nas últimas semanas não havia feito muita coisa, se hoje fosse responder ao pé da letra diria que é um inútil, mas era óbvio que não iria piorar ainda mais a primeira impressão que havia causado.
- Estou no terceiro semestre de Direito, também na USP.
Respondeu e completou que a exemplo de Miguel havia cursado uma faculdade antes, de Química em Santa Catarina, onde havia nascido e saído aos 19 anos quando se deu conta que também havia errado na escolha de sua primeira faculdade. Estava hoje com 22 anos, a caminho de 23 em maio.
Se deu conta que seria dali pouco mais de três meses, o semestre havia começado e nem tinha parado para pensar nisso, seu começo de ano não havia sido dos mais animadores, mas não iria pensar nisso agora, tinha que continuar conversando, estava distraído e surpreso que esse papo estivesse agradável até agora.
- Então é mais um desses taurinos da vida?
Perguntou Miguel seguido de sua risada gostosa.
- Na verdade sou mais do fim do mês, o que me torna um geminiano, entende disso?
- Gosto um pouco do assunto sim, sou de sagitário, fim do mês de novembro, antes que sua curiosidade geminiana te sufoque e você tenha que pedir.
Dessa vez, Augusto riu com vontade, admirou-se do pensamento rápido e eloqüência de Miguel.
- Ah, até quem enfim uma risada, estava começando a achar que era uma má companhia.
- Não, longe disso, eu que não to no melhor momento, se bem que isso você notou antes né?
- Não havia como não notar, respondeu Miguel seguindo de mais uma risada. E rapidamente como seu raciocínio emendou outra pergunta: - E o que houve? Desculpa me intrometer.
Augusto meio pego de surpresa respondeu suspirando: - Longa história.
- Olha, não sei se você notou, mas tenho todo tempo do mundo agora. respondeu Miguel com tom debochado, porém interessado.
Nesse momento surge em frente aos dois, antes tarde do que nunca pensou Augusto, seu amigo Luis, com uma cara aparentando um misto de excitação e preocupação.
- Até que enfim criatura, onde você se meteu? Ta tudo bem?
Augusto respondeu que estava melhor e apresentou Miguel a Luis e vice-versa.
- Augusto, temos que ir, amanha temos aula, e se faltar no primeiro sábado meu pai manda me matar.
- Ok, vai indo pro carro, só vou me despedir aqui.
Luis deu uma risadinha insinuante, Augusto só faltou fuzila-lo com seus olhos negros.
- Desculpa, tenho que ir, novamente obrigado por tudo.
-Tudo bem, respondeu Miguel já se levantando.
Augusto notou que ele era um pouco mais baixo que ele, no maximo 1,80m. Tinha o corpo levemente definido, pelos menos era o que a calça jeans skynni e a camiseta da coca-cola apertada deixavam transparecer. Novamente se viu encarando por tempo demais e sentiu suas bochechas pegarem fogo.
- Você deve ter msn não é? Me passa pra gente poder continuar a sua longa história.
Miguel pediu com aquele misto de autoridade e ternura na voz. Trocaram devidos endereços de Msn e Augusto disse que talvez não entrasse sábado mas outro dia se falariam.
Deram as mãos em um cumprimento rápido, virou –se em direção a saída, tropeçou uma vez mais e ouviu uma vez mais a risadinha abafada de Miguel ao fundo.
No estacionamento da boate viu Luis, com seu cabelo vermelho destacando-se dentro de deu carro branco. Entrou no carro notou um leve arroxeado no pescoço do amigo, resolveu não comentar nada. Estavam no meio do caminho do apartamento que dividiam desde o primeiro dia de aula a um ano e meio atrás quando seu amigo fez a pergunta inevitável.
- Então quem era aquele Deus grego?
- Quem? Ah o menino? Seu nome é Miguel, é novo na cidade. Respondeu fingindo, muito mau por sinal, um falso desinteresse no menino que havia acabado de conhecer.
Luis obviamente notou que Augusto de esforçava por demonstrar menos interesse do que realmente existia, resolveu não comentar, afinal Augusto tinha deixado barato a marca em seu pescoço.
- E se interessou? Vão se ver mais vezes?
Augusto pensou e respondeu de modo evasivo: -Não sei, quem sabe né?
Mas não conseguiu conter uma risadinha brotando em sua boca ao lembrar desse estranho encontro e na perspectiva de poder conversar mais com bonitinho de olhos azuis que havia conhecido escorado numa parede ridiculamente verde.

3 comentários:

  1. Toda história que criamos é fundamentada em acontecimentos em nossas vidas. Mas não, não é uma autobiografia, ficará claro mais pra frente.

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