quinta-feira, 15 de abril de 2010

Livro: Troca - Capítulo 3

Capítulo 3
Domingo , 10:00 Apartamento de Augusto

Não adiantava, Augusto rolava na cama de um lado para outro, mesmo sabendo que não conseguiria dormir mais. Pouco importava que tivesse chegado às 6:30 em casa e tivesse dormido nem 4 horas inteiras. As imagens, os acontecimentos e as conversas da última madrugada ficavam rodopiando em sua mente.
Ele estava reconhecendo os sinais, estavam mais que claros:
1- A simples lembrança de Miguel estava começando a fazê-lo sorrir,
2- Aquela famosa pontada no peito.
3- Junto disso acompanhavam os pensamentos: “será que dou um toquinho?” “mas ele pode achar exagerado” “e um depoimento? Será que não parece desespero?”
Augusto então se joga contra a cama, põe o travesseiro sobra a cara e aperta pensando em como parecia estar se comportando como um adolescente de treze anos. “é estou apaixonado, isso é fato”. Suspirou.
Consultou seu telefone pela décima oitava vez desde que tinha acordado. Nenhuma mensagem, nenhum toquinho, nada. “Deixa de ser idiota Augusto, é muito cedo, faz quatros horas que vocês se despediram!” pensou consigo mesmo tentando em vão se acalmar.
Levantou e foi para o computador, ouviria uma música, qualquer coisa que o distraísse. E claro, ficaria esperando Miguel entrar no MSN, e ai fingiria não vê-lo e esperaria que ele o cumprimentasse primeiro. “como sou idiota”. Suspirou lamentando.
Resolveu abrir o orkut e seu coração deu um salto triplo, lá estava um depoimento de Miguel. “adorei, e lembre-se do combinado hoje, beijão”.
Augusto sorriu, teve vontade de pular, de dançar pela sala ou qualquer coisa vergonhosa dessas. Imediatamente as lembranças voltaram, palavra por palavra, cena por cena. Foi incrível, na verdade estava sendo tudo incrível, pensou como uma pessoa simplesmente aparece na sua vida e mostra um genuíno interesse no que nela acontece.
Foi exatamente aquilo que ele necessitava, conversar com alguém que não estivesse fazendo isso como se fosse um favor, ou uma obrigação velada que amigos fazem um aos outros. Foi puro interesse, carinho e sinceridade.
A pergunta inicial realmente o havia pego de surpresa e congelado toda a sua circulação, o menino de aspecto angelical com incríveis olhos azuis realmente não era de perder tempo.
- Alô, terra para Guto. Posso te chamar assim não é?
- Hã, sim sim, pode. Todos me chamam assim. Respondeu Augusto ainda aparentando perplexidade.
- Então? Solteiro? Separado? Enrolado? Perguntou com um tom de brincadeira.
- É complicado, começou Augusto. Pensou se realmente deveria contar a história novamente, reviver os fatos mais uma vez. Pensou se alguém que havia conhecido há um dia entenderia. Pensou em como todas as vezes que havia contado ninguém na verdade chegou muito perto de entender. Não por maldade, mas porque certas coisas só fazem sentido dentro da gente mesmo. E quando você conta, se abre com outras pessoas e elas respondem com aquela cara de “você esta fazendo tempestade em copo de água”. Isso era o pior pensava ele, não quando você não tinha para quem contar seus segredos, traumas e etc, mas quando você tem pra quem contar mas não se faz entender. Resolveu continuar, afinal ao analisar friamente a situação, havia conhecido Miguel há um dia, se ele não entendesse não seria uma decepção assim tão grande.
- Eu estava num relacionamento de sete meses. Tipo namoro firme. E estava tudo incrível. Nos amávamos de verdade. Nos completávamos. Seu nome era Bruno. Era um ano mais velho que eu. Era lindo. Quer dizer, eu o achava a pessoa mais lida do mundo, óbvio.
- Hum, imaginei que fosse algo do gênero. Vocês terminaram?
- Não, ele morreu.
- Nossa, desculpa. Desculpa mesmo. Não sei nem o que falar. Respondeu Miguel sem jeito, demonstrando um genuíno incomodo e aflição por ter iniciado a conversa.
- De boa, hoje eu falo tranquilamente desse assunto. Ainda fico meio abalado é claro. Mas tem que passar uma hora ou outra não é?
- Sim, mas mesmo assim me desculpe.
- Então. Éramos pra ter passado o fim de ano juntos. Fomos para nossas casas passar o natal. Ele morava em uma cidade próxima a minha em Santa Catarina. Liguei para ele alguns dias e ele não atendia. Imaginei que pudesse estar ocupado e essas coisas. Mas depois fiquei realmente preocupado. Não havia sinal no MNS, orkut nada. Procurei o nome de seus pais na lista e tive que ligar. Aí fiquei sabendo que ele havia sofrido um acidente a caminho de casa.
- Nossa, que horrível. Falou Miguel, tentando preencher o vazio nas conversas.
- Sim, e sabe o pior? Meus pais sabem de mim e tudo mais. Mas os pais dele não. Aí eles nem poderiam imaginar que ele estivesse namorando alguém. Quando liguei ele já havia sido velado e enterrado. Não tive uma chance de me despedir de verdade. Mesmo assim comprei uma passagem para a cidade dele, dei um jeito de descobrir onde ele havia sido enterrado e fui visitá-lo. Foi a tarde mais horrível da minha vida. Não fazia nada além de chorar em frente ao túmulo onde ele estava. Até que chegou uma mulher ao meu lado. De imediato reconheci que se tratava da mãe dele. Eles eram a cara um do outro. Ela parou, me olhou e me abraçou dizendo. “obrigado, você o fez muito feliz”. É como dizem, as mães sempre sabem.
Miguel estava estático. Não saberia o que dizer. Mesmo assim sentiu que deveria falar algo.
- Meu, que triste. Não sei o que falar.
Percebeu que estava se tornando repetitivo, mas realmente não sabia o que expressar nessa hora.
Augusto o interrompeu com um movimento de mão. Respirou fundo e conteve o choro. Tinha prometido não chorar mais por isso novamente, em respeito a toda história que haviam vivido.
- Tudo bem Miguel, não precisa falar nada. Certas coisas não tem mesmo o que falar. Talvez seja até melhor. Enfim, voltei pra casa e passei a última semana do ano triste. Meus pais pediram se havia acontecido algo e eu respondi que havia terminado um relacionamento. Porque sei lá, por mais que saibam e aceitem, eu sei que certas coisas eles não estão preparados. Então resolvi poupá-los de um constrangimento. Passei os últimos dias do ano e os primeiros desse ano disfarçando a dor e segurando as pontas.
Augusto fez mais uma pausa. Enxugou os primeiros vestígios de lágrimas em seus olhos. Percebeu de relance que Miguel também estava segurando as lágrimas. Achou querido da parte dele. Continuou falando:
- Iria passar duas semanas com o Bruno na praia. Acabei voltando a São Paulo. Fiquei uma semana sozinho no apartamento até que o Luis voltou. Chorei e vivi a pior fossa possível nessa semana. Quando Luis chegou ficou surpreso de eu estar ali. E quando soube, ficou consternado. Ele e a Ana foram meus pilares nessas semanas antes do início das aulas. E nesse fim de semana finalmente me convenceram a sair. E bem você viu no que deu né?
Miguel respondeu de imediato.
-Você me conheceu. No mínimo uma nova amizade você fez.
Augusto encarou aqueles olhos azuis e sorriu.
- Bem, chega de falar de mim. E você? Me conte sua história. Augusto terminou com um sorriso tímido.
- Ok, então, meus pais não sabem. Na verdade só fiquei com um menino até hoje. Não foi algo que eu soubesse ou aceitasse assim muito fácil. Sempre pensei que fosse só uma fase sabe? Tive namoradas e tudo mais. Mas um dia foi inevitável. Fiquei com um amigo meu, e realmente notei que não adiantava me enganar mais. Coincidiu com o fato de passar pra USP. Terminei com minha namorada, usei a mudança de cidade como desculpa. Sei que soa horrível, mas era a única coisa que tinha coragem de alegar na hora.
Miguel parou um pouco, percebeu que Augusto não iria interrompe-lo. Claro sinal de que ele deveria continuar a conversa.
-Aí passei o começo do ano aprontando as coisas para mudança. Fiquei mais algumas vezes com meu amigo. Mas não foi algo assim para relacionamento entende? Foi mais dois amigos se descobrindo. Vim pra cá faz uma semana. Tive a primeira semana de aula, fiz alguns amigos, na verdade colegas. Amizade fiz uma só, com uma menina bem querida, Claudia o nome dela. Se você conhecê-la vai gostar. Inclusive abri o jogo com ela e tudo. Ela disse que não acredita porque não levo jeito e tal.
Terminou a frase rindo e com uma expressão do tipo “qual é o jeito de alguém gay?”
Augusto riu e saiu de seu silêncio.
- Sei como é, no começo também muita gente dizia não acreditar. Quem não entende pensa que somos todos iguais aos personagem gays de novelas por aí.
-Isso! Concordou Augusto.
- Mas então, nessa semana que esta aqui, conheceu alguém interessante?
Miguel parou, novamente com aquele jeito que parecia premeditado.
- Conheci uma pessoa sim. Bem bonita por sinal. Um pouco mais alto que eu, cabelo moreno, olhos escuros e adora se escorar numa parede.
Falou soltando uma risada. Augusto sabia que sua face havia pego fogo ou algo semelhante. Disfarçou indo fazer mais um copo de cuba, derrubando metade de um deles no chão.
- Não liga ta? Sou desastrado.
Nesse momento a porta acima da escada abre e o rosto de Luis surge na abertura.
- Ops. Desculpa. Fechou dando uma risada escandalosamente alta, falado com alguém ao seu lado. – Temos que procurar outro lugar.
Augusto pensou “ótimo, tudo que precisava, que Luis visse a cena e amanha venha pedindo cada detalhe”
- Seu amigo é louco.
Augusto deu uma risada, no meio do processo solta um leve bocejo.
- Sim, nossa desculpa. Bateu um sono leve aqui.
Miguel também bocejou. Augusto não perdeu a oportunidade.
- Pelo visto você também né?
- Não, não. É aquele negócio de reflexo sabe? Você vê alguém bocejando e boceja.
- Ah tá, se eu te der um soco então?
- Não sei, e se eu te der um beijo?
Augusto congelou, tinha ficado totalmente sem resposta. Miguel levantou se aproximou. Encarou seus olhos azuis nos olhos escuros de Augusto. Aproximando lentamente seus lábios e o beijou.
Augusto sentiu aquele beijo, era uma mistura de nervosismo e força. Mas ao mesmo tempo era tenro. Miguel passou o mão pela face de Augusto enquanto o beijava. A outra mão estava repousada na coxa esquerda de Augusto, que despertou do susto e resolveu entrar na onda. Ajeitou-se, abraçou Miguel forte, e passou suas mão pelo peitoral definido do menino que o beijava fortemente e tenramente ao mesmo tempo.
Os dois levantaram beijando-se. Augusto virou Miguel contra parede e começa a beijar mais fortemente. Miguel suspira. Soltam-se os lábios e se encaram. Augusto não sabia dizer se a encarada havia durado um segundo, ou um dia inteiro. Mas naquele olhar estava claro tudo que deveria saber. Voltaram-se novamente aos beijos. Miguel já estava com as mãos por dentro da camisa de Augusto, que sentiu que estava tendo uma ereção. Tentou disfarçar secretamente porém Miguel o interrompe e fala. – Deixa! Miguel o pressiona contra seu corpo num abraço forte. Augusto sente que Miguel também estava excitado. Pôs as mãos por dentro da camisa dele e passou sua língua pela ponta da orelha, terminando novamente em um beijo.
Miguel o interrompe
- Então, eu nunca fiz nada demais, como eu disse só fiquei com um menino.
- Calmaaaaaa, você não acha que vou transar no porão da casa da Ana não é? Respondeu Augusto rindo, percebendo que em Miguel existia alguém inseguro por trás de toda aquela fachada de ironia.
- Ah ta, não sei né. Porque esta muito bom, Como você está percebendo.
- Sim realmente estou “sentido”. Respondeu Augusto fazendo aspas com as mãos.
Os dois caem na risada. Barulhos mais fortes são ouvidos na cozinha. Como se algo tivesse caído no chão. Augusto e Miguel resolvem subir as escadas nem percebendo que estavam de mãos dadas. Ao retornar da cozinha dão de cara com Luis e outro menino também aos beijos.
- Oi, esse é o André. André esse é Guto meu companheiro de ap e Miguel, seu hummm, amigo. Terminou a frase com uma risadinha.
Augusto pensou em responder com algo do tipo “ você não iria encontrar o Thiago?” mas deixou barato. Circulou com Miguel pela festa. Muitos olhavam para os dois, realmente formavam um belo par juntos.
-Nossa, são 5:30, quantos tempo ficamos naquele porão?
- Tempo suficiente. Responde Miguel com um sorriso.
- Você é sempre assim principezinho perfeito? Cuidado que eu me apaixono viu?
- Bobo, então amanhã a Claudia vai lá em casa, temos que preparar uma apresentação pra segunda. Mas assim, porque você não vai lá mais a noite, podemos jantar que tal?
Augusto responde de imediato de maneira sarcástica.
- Claro, nossa já ganharei um jantar?
- Não se anime, aprendi a usar um fogão essa semana. Mais seguro dizer que pediremos uma pizza.
- Mas não vou incomodar você e a sua amiga?
- A noite ela terá ido embora, aí ficamos só nos dois. Miguel faz uma cara intencional de cafajeste no fim da frase. Augusto ri.
- Ai, ai, ai. Esse povo safadinho de fora né?
- Então ta, podemos rachar um táxi e eu te mostro onde moro.
Eles se despedem de Ana, que ao vê-los de mãos dadas faz uma cara de quem acaba de ver um bebezinho no parque de diversões. Pegam o táxi, Augusto percebe que já está amanhecendo.
-Então é aqui, apartamento 32. Te espero as 20:00. Tudo bem?
- Tudo sim, até depois.
Augusto, chega em casa. “ok 6:00 da manhã, vou dormir e espero acordar bem tarde pra não ficar contando o tempo até as 20:00”. Nesse momento Luis abre a porta do ap.
- Ok, conte-me tudo!
- Ai Luis, amanha pode ser? To podre.
- Amanha você não me escapa Guto.
Augusto fecha a porta do seu quarto. Tira a roupa que estava usando e joga na cama, com uma felicidade que há algum tempo ele tinha julgado ter perdido a capacidade de sentir.

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